“porque ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida […]” (ef 5.29.)
“o meu clamor àqueles que estão flertando com o suicídio é que fujam desse precipício e busquem refúgio nos braços de jesus, pois nele há vida plena, abundante, maiúscula e eterna”
Nossa sociedade está doente. Não são poucos os que estão com medo da vida. Fogem da vida, saltando no abismo da autodestruição. O suicídio é hoje uma ameaça universal. Cinquenta por cento das pessoas que vivem hoje já pensaram no suicídio como uma forma de se verem livres de suas angústias. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de mil pessoas suicidam no mundo, por dia. O suicídio transpõe todas as barreiras raciais, culturais, etárias e religiosas. Entre os jovens, o suicídio é o segundo maior fator de morte.
Através dos séculos, o suicídio não foi sempre encarado da mesma maneira. Em Esparta, na Grécia, era considerado como ato justificável. Na Roma antiga, era desenlace honroso para aqueles que eram escarnecidos pelo inimigo. A filosofia estóica justificava-o, dizendo: “É lícito morrer a quem não interessa mais viver”. Schopenhauer, em suas “Dores do mundo”, aconselhava o suicídio como a única solução lógica à existência humana indefectivelmente presa aos sofrimentos. O materialista romano Lucrécio argumentava que a morte não era nada e, por isso, o suicídio era louvável. Em Atenas, porém, o suicídio era repudiado. Cortava-se a mão do suicida, que era ainda, privado de sepultura. No século 1º, o apóstolo Paulo estabeleceu princípios contrários ao suicídio. Disse ele, inspirado pelo Espírito Santo: “Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si […] se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado […] porque ninguém jamais odiou a sua própria carne; antes, a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a Igreja. ” (Rm 14.7; 1Co 3.17; Ef 5.29.)
Agostinho de Hipona negou a legitimidade do suicídio, seja qual for a circunstância. Para ele, o suicida não tinha possibilidade de arrependimento. Tomás de Aquino, mais tarde, afirmou que o suicídio era antinatural, ou seja, contrário ao amor que todo homem deve ter para consigo mesmo; antissocial, ou seja, uma ofensa contra a família e a comunidade, visto que ninguém é uma ilha existencial; e antiespiritual, visto que é uma usurpação do poder de Deus. Só Deus pode dar e tirar a vida.
Para alguns filósofos existencialistas contemporâneos, o suicídio é o maior problema filosófico. Para Albert Camus, a vida é absurda, uma bolha vazia no mar do nada. Embalados por esses conceitos fora de foco, multidões estão flertando com o suicídio. Alvin Tofer, em “O choque do futuro”, aponta para as mudanças repentinas e radicais que o nosso mundo está sofrendo como causa maior para o grande surto da desestabilização das pessoas nos dias de hoje, levando-as à paranoia e ao suicídio. A impessoalidade das grandes cidades, a desintegração da família, o vazio existencial, a prisão infernal das drogas, as decepções amorosas, o desequilíbrio financeiro, a impotência sexual, a doença incurável, o sentimento de culpa, o pessimismo, o complexo de inferioridade, a desesperança, a depressão, o sentimento de inadequação e o fanatismo religioso, dentre outras razões, têm levado muitas pessoas a dar fim à própria vida.
Muitas pessoas saltam no abismo da morte, nos braços do suicídio, para chamarem a atenção para si. É uma espécie de grito de socorro dado tarde demais. Outros cometem o suicídio por vingança; punem o outro, matando-se. Há os que se suicidam numa tentativa de expiar (padecer) um erro: “Eu mereço morrer. Não sou digno de viver”. Para Sigmund Freud, “o suicídio é uma espécie de ira contra si mesmo. É o impulso de matar, ser morto e morrer”. Para Karl Menninger, “o suicídio é uma agressão voltada para o interior”. Outros, ainda, suicidam buscando a fuga de uma situação intolerável, ou desejando encontrar a paz ou uma vida melhor.
Nesse jogo da morte, há algumas fábulas perigosas:
1) A pessoa que prenuncia suicídio, não o faz. Segundo Schneidman, em seu livro “Manual geral de psiquiatria”, 80% das pessoas que suicidam dão sinais de sua intenção.
2). Toda pessoa que suicida é mentalmente enferma. Jamais se poderia afirmar que o presidente Getúlio Vargas, o industrial Paulo Ferraz, o escritor Pedro Nava e a atriz Marilyn Monroe fossem pessoas mentalmente enfermas. Kraeplin, expoente da psiquiatria universal, admite a existência de pessoas sãs de espírito capazes de cometer suicídio sob a influência de situações penosas. Émile Durkheim, o famoso sociólogo francês, produziu o primeiro tratado sociológico sobre o suicídio. E concluiu que o suicídio acontece pela falta de integração na sociedade religiosa, na sociedade doméstica e familiar e na sociedade política. E falta de Deus, de fortes laços familiares e ação pertinente na sociedade.
3). Não adianta ajudar uma pessoa de tendência suicida. Blackburn, estudioso do assunto, esclarece que, das pessoas que tentam suicídio, apenas 10% consumam o ato suicida. Então, a ajuda é necessária e pode ser eficaz.
Finalmente quero elencar quatro argumentos sobre a improcedência do suicídio:
o Argumento filosófico
A despeito da tentativa fútil dos estoicos de justificar o suicídio, faltam a eles sadios fundamentos filosóficos. O suicídio é um ato de liberdade, que destrói todos os atos futuros de liberdade. É uma afirmação do ser que extermina o ser. É um ato do vivente que destrói a vida. Ele é irracional, porque é a “razão” que destrói a si mesma ao afirmar a si mesma.
o Argumento ético
Quão paradoxal é que alguém conclua que a melhor coisa que pode fazer por si mesmo é destruir-se. Como pode a melhor coisa para si mesmo ser o ato final contra si mesmo? Ninguém pode agir em favor de seus interesses quando seu plano é destruir-se. Conforme disse Agostinho de Hipona, “o suicídio é um fracasso da coragem. É um escapismo existencial. É a fuga sem retorno. É a covardia mais insana. É o ato mais covarde. O suicídio é imoral porque é assassinato. É assassinato de si mesmo. É assassinato de um ser humano feito à imagem de Deus. É falta de amor. É desumanidade. É egoísmo”.
o Argumento bíblico
A Bíblia menciona cinco casos de suicídio (Sansão, Saul, Aitofel, Zinri e Judas Iscariotes). Todos esses homens estavam longe de Deus. O suicídio foi uma fuga de Deus. A Bíblia condena o suicídio. Moisés, Elias e Jonas pediram a Deus que os matasse, mas nunca intentaram contra suas vidas. Paulo disse ao carcereiro de Filipos que intentava se suicidar: “Não faças isto”. O suicídio é de inspiração maligna, porque o diabo veio para roubar, matar e destruir, mas Jesus veio para dar vida, e vida em abundância. Só Deus pode dar a vida e tirar a vida (1Sm 2.6). O suicídio é usurpação dessa prerrogativa divina.
o Argumento teológico
O suicídio é um gesto de incredulidade, porque deixa de crer que Deus pode socorrer em toda e qualquer situação. É um gesto que atenta contra o propósito de Deus. O fim principal do homem é glorificar a Deus e deleitar-se nele para sempre. O suicídio é a negação disso. É um gesto enganador. É um embuste, visto que leva a pessoa a perder a perspectiva da indestrutibilidade da vida, da perenidade da existência. A morte não é o ponto final do drama da vida. Depois desta vida, teremos à frente uma eternidade vastíssima e insondável. Alguns a passarão com Deus, no céu; outros, com o diabo, no inferno. A morte para aquele que deixa de crer em Cristo como Senhor e Salvador leva a um poço sem fundo, a um naufrágio sem resgate e a uma condenação eterna e irremediável. O meu clamor àqueles que estão flertando com o suicídio é que fujam desse precipício e busquem refúgio nos braços de Jesus, pois nele há vida plena, abundante, maiúscula e eterna.
HERNANDES DIAS LOPES